domingo, 8 de outubro de 2017

Dos resultados das Provas de Aferição (2)


Os resultados, aparentemente desastrosos, das provas de aferição – chegou a haver, nalguns parâmetros aferidos, percentagens superiores a 80% de alunos que não conseguiram fazer o que lhes era pedido – estão a suscitar diferentes reacções da parte dos diversos intervenientes e interessados nestas coisas. Interessa ver é se bate a bota com a perdigota, ou seja, se aquilo que dizem é o resultado de uma análise e reflexão serena, com base nos resultados e nas condicionantes destas provas, ou é apenas o engatilhar de um discurso que já estava preparado para o efeito.

Comecemos pelo ME, onde o secretário de Estado João Costa se confessa preocupado com o facto de tão grande número de alunos não estar a aprender “com qualidade”, desfiando em seguida o rol de medidas que pretende implementar. E que são, regra geral, mais do mesmo:

Segundo João Costa, a Português será feito um estudo do impacto dos projetos dirigidos ao desenvolvimento da leitura e da escrita nos 2.º e 8.º ano, com o alargamento da formação de professores do 1.º ciclo, com a atualização e a reedição dos materiais produzidos pelo Programa Nacional do Ensino do Português.

No domínio da Matemática, adiantou, e para os 2.º e 5º anos, o Ministério vai acompanhar as escolas com desempenhos mais frágeis, alargar a formação de professores do 1.º ciclo, criar uma equipa de acompanhamento do currículo nesta área específica e atualizar e reeditar materiais de apoio.

O Ministério da Educação assume uma aposta na formação de professores uma vez que esta é, em todos os anos de escolaridade em análise, uma das respostas apresentadas para combater as fragilidades assim como a elaboração de materiais em colaboração com universidades e escolas superiores.

Esta formação, explicou o secretário de Estado da Educação, será em formato de oficinas com uma grande componente prática.

Em matéria de expressões artísticas, no 2.º ano de escolaridade, o secretário de Estado anunciou a expansão do Programa de Educação Estética e Artística (DGE-PEEA), nomeadamente na sua vertente de formação docente na área da educação artística, assim como o desenvolvimento de projetos de parceria entre o Ministério da Educação e o Ministério da Cultura, tais como o alargamento do projeto-piloto “Residências Artísticas”.

No que se refere à História e Geografia de Portugal no 5º ano, os resultados das provas revelam a necessidade de monitorizar as aprendizagens essenciais, e no que se refere às Ciências Naturais no 5.º ano e Ciências Naturais e Físico-Química do 8.º ano o Ministério da Educação anuncia o reinvestimento no ensino experimental, nomeadamente através dos Clubes Ciência Viva.

Do lado dos representantes dos pais, a Confap insiste numa linha que também já não é nova: rejeitam a escola “do autocarro” e querem mudanças que façam sentido numa “escola do século XXI”, um slogan tão sedutor quanto vazio de sentido. Ainda assim, as palavras destes pais, que querem uma “revolução” no sistema educativo, merecem reflexão mais atenta e demorada, pelo que provavelmente se justificará voltar a elas um dia destes…

“Estes resultados mostram que o atual modelo de ensino é feito para os alunos memorizarem, fazer o teste e esquecer, e por isso tem de ser repensado. Isto não tem que ver com a escola em si, mas com a cultura instalada na sociedade, em que a escola é apenas vista como um meio de acesso ao ensino superior, quando deve ser um instrumento para o desenvolvimento dos jovens para a cidadania e para o pensamento crítico”, disse ao CM Jorge Ascenção, presidente da Confap, que tem defendido uma maior separação entre ensino secundário e superior, com as universidades e politécnicos a definirem por si os critérios de acesso.

O responsável da Confap afirma que “o modelo do autocarro na sala de aula, com todos a olhar para as costas dos colegas, já não faz sentido”. “Para quem nasce na era digital e trabalha muito à-vontade com computadores, este modelo não está adequado. É preciso um trabalho diferente, mudar este modelo e colocar nas crianças o gosto pela descoberta. Há muito que pregamos sozinhos sobre isto”, disse o responsável, defendendo ainda uma mudança feita “com calma, serenidade e com todos os intervenientes”.

Quanto aos professores, as reacções são variadas e reflectem uma visão que, ao contrário do olhar exterior dos pais e dos académicos, dirigentes e burocratas ministeriais, foca sobretudo o contexto em que estas provas surgiram e foram aplicadas:

  • Tendo em conta que os resultados estão muito abaixo dos habitualmente obtidos, quer em provas nacionais de final de ciclo, quer em testes internacionais, nenhuma análise séria pode ser feita se não se questionar, previamente, a própria concepção e elaboração das provas, que provavelmente não avaliam correctamente o que era suposto avaliarem;
  • Os níveis de exigência estavam desajustados em relação à idade dos alunos e aos anos de escolaridade em que se aplicaram as provas, sobretudo no caso do 2º ano, onde ainda pouco há para aferir;
  • Passou-se a ideia de que estas provas “não contam para nada”, o que terá levado, sobretudo entre os alunos mais velhos, a que houvesse pouco empenhamento na realização dos exercícios propostos, sobretudo quando implicavam a produção de texto ou a elaboração de raciocínios mais complexos;
  • Os melhores resultados obtidos na área das expressões do 1º ciclo, onde se esperavam maiores dificuldades, tendo em conta as falhas que têm sido reportadas nesta área, sugerem que o conhecimento prévio do que iria ser avaliado contribuiu para a melhoria de resultados.

Depois de ter acabado com os exames no 1º e no 2º ciclo, este ministério necessitava de uma avaliação nacional que pudesse fazer o ponto da situação relativamente à qualidade das aprendizagens dos alunos do ensino básico, que surgiu com as provas de aferição realizadas em 2017. E aqui, a obtenção de resultados que só não são catastróficos porque não têm consequências para os alunos pode vir dar um novo alento às mudanças curriculares que o governo pretende introduzir, mas que estão longe de despertar entusiasmo entre a maior parte das escolas e dos professores.

Estaremos assim a assistir a um clássico que já vimos com outros governos: trata-se de inculcar a ideia de que isto está pior do que a gente pensava, e de que só com as sábias medidas que o governo irá implementar – e com provas substancialmente mais fáceis daqui por um ano ou dois – será possível colocar os alunos portugueses na senda das aprendizagens de qualidade exigíveis na escola do século XXI.

Afinal de contas, sabemos há muito tempo que quando os alunos melhoram as suas aprendizagens isso se deve às iniciativas dos ministros. Já quando não aprendem a culpa é, invariavelmente, dos professores


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